Juíza não reconhece uso de "laranjas" nas eleições em Canaã. TRE deve rever decisão, diz advogado
- Wilson Rebelo
- 31 de mar.
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A juíza da 75ª Zona Eleitoral, Eline Salgado Vieira, responsável pelo julgamento das ações impetradas junto à Justiça Eleitoral, nas cidades de Parauapebas e Canaã dos Carajás, não reconheceu fraude à cota de gênero, através do uso de "candidatas laranjas" por parte do Partido Liberal (PL) no pleito de 2024, em Canaã, e manteve o mandato de Junior Guirelle, único vereador eleito pelo partido. Inocêncio Mártires, advogado especialista em direito eleitoral e representante de Valmir Pereira (PDT), que propôs a ação de impugnação do mandato de Guirelle, recorreu ao Tribunal Regional Eleitoral do Pará (TRE-PA) e acredita que a sentença será reformada.
Eline Vieira também julgará outras ações sobre o mesmo tema, desta feita envolvendo candidatos à Câmara Municipal de Parauapebas. Caso a magistrada mantenha seu entendimento, os candidatos insatisfeitos com a decisão também precisarão recorrer ao TRE-PA, em Belém, para reformar a sentença.

Inocêncio Mártires entende que a sentença de Eline Vieira vai ser reformada pela Corte Regional porque contraria o artigo 10, § 3º da Lei 9.504/1997 (Lei das Eleições), além de desconsiderar a Súmula 73 do TSE e a tese estabelecida na Adi STF 6338. "Essa sentença de S.Exa., de fato, desafia a Súmula 73 e o entendimento pacificado pelo TSE sobre fraude à cota de gênero", disse o advogado ao site.
Inocêncio ingressou com a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) - Processo Nº 0600001-32.2025.6.14.0075 - por considerar que o PL utilizou Dayze Silva Pereira Pompeu, a "Day da Saúde" e Iselene Maria Moraes da Silva como candidatas "laranjas", nas eleições do ano passado, em Canaã. Ambas foram indicadas apenas para compor a chapa do partido com o número mínimo de candidaturas femininas, sem que de fato tenham feito campanha, o que configura fraude à cota de gênero.
O advogado paraense mostrou que além do desempenho pífio nas urnas das duas "laranjas" - Day da Saúde obteve 10 votos e Iselene meros 33 votos - elas não realizaram qualquer despesa eleitoral ou praticaram atos de campanha, a não ser duas ou três manifestações através das redes sociais, sem que fosse possível comprovar qualquer pedido formal de voto para si ou para o candidato majoritário que, em tese, apoiavam.
Além disso, as candidatas não receberam um centavo sequer do Fundo Eleitoral de Financiamento de Campanha ou do Fundo Partidário. Uma delas, inclusive declarou ter recebido incríveis R$ 700 em toda a campanha, como doação do candidato majoritário do PL, Jeová Gonçalves e mais nada.
Caberá ao TRE-PA decidir se mantém ou reforma a decisão de Eline Vieira, mantendo ou mudando a composição da Câmara de Canaã.
Como ações parecidas foram propostas em Parauapebas, caso a sentença de Eline seja reformada, abre-se uma boa possibilidade para que a formação da Câmara Municipal de Parauapebas seja alterada. Entre os vereadores que perderiam o mandato está Michel Carteiro, o mais votado da cidade.
A Súmula 73 do TSE
Há tempos, a Justiça Eleitoral vem enfrentando as tentativas de fraudar a chamada "cota de gênero", que reserva o mínimo de 30% para candidaturas de mulheres nas disputas por vagas às Câmaras, Assembleias Legislativas e Câmara Federal.
Após muita discussão, a Corte Eleitoral chegou à Súmula 73, de junho de 2024, que considera que foi desrespeitado o percentual mínimo de 30% de candidaturas femininas quando "as candidatas apresentarem votação zerada ou inexpressiva; prestação de contas zerada, padronizada ou ausência de movimentação financeira relevante; e ausência de atos efetivos de campanhas, divulgação ou promoção da candidatura de terceiros". No entendimento do TSE, basta a ocorrência de um desses eventos para configurar a fraude.
Como consequência do desrespeito à cota de gênero, a Súmula do TSE determina que o Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (Drap) da legenda e dos diplomas dos seus candidatos sejam cassados, independentemente de prova de participação, ciência ou anuência desses.
Além disso a fraude acerreta inelegibilidade a quem praticou ou concordou com a fraude, quando houver Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) e, o mais importante, fixa a nulidade dos votos obtidos pelo partido, com a recontagem dos quocientes eleitoral e partidário.
Leia a seguir a Súmula 73, do TSE:
O TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, no uso das atribuições que lhe confere o art. 23, inciso XV, do Código Eleitoral, resolve aprovar a proposta de edição do seguinte verbete de súmula:
A fraude à cota de gênero, consistente no desrespeito ao percentual mínimo de 30% (trinta por cento) de candidaturas femininas, nos termos do art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, configura-se com a presença de um ou alguns dos seguintes elementos, quando os fatos e as circunstâncias do caso concreto assim permitirem concluir: (1) votação zerada ou inexpressiva; (2) prestação de contas zerada, padronizada ou ausência de movimentação financeira relevante; e (3) ausência de atos efetivos de campanhas, divulgação ou promoção da candidatura de terceiros. O reconhecimento do ilícito acarretará: (a) a cassação do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (Drap) da legenda e dos diplomas dos candidatos a ele vinculados, independentemente de prova de participação, ciência ou anuência deles; (b) a inelegibilidade daqueles que praticaram ou anuíram com a conduta, nas hipóteses de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE); (c) a nulidade dos votos obtidos pelo partido, com a recontagem dos quocientes eleitoral e partidário (art. 222 do Código Eleitoral), inclusive para fins de aplicação do art. 224 do Código Eleitoral.
Ac.-TSE, de 16/5/2024, no PA n. 32345.
Referências: Ac.-TSE, de 14/3/2024, no REspEl n. 060000267;
Ac.-TSE, de 5/3/2024, no REspEl n. 060153044;
Ac.-TSE, de 29/2/2024, no AREspE n. 060098851;
Ac.-TSE, de 29/2/2024, no REspEl n. 060000184;
Ac.-TSE, de 22/2/2024, no AgR-AREspE n. 060024950;
Ac.-TSE, de 14/12/2023, no REspEl n. 060000266;
Ac.-TSE, de 17/8/2023, no AREspE n. 060106042;
Ac.-TSE, de 10/5/2022, no AgR-AREspE n. 060065194;
Ac.-TSE, de 17/9/2019, no REspe n. 19392.
Ministro ALEXANDRE DE MORAES, Presidente e relator – Ministra CÁRMEN LÚCIA – Ministro NUNES MARQUES – Ministro RAUL ARAÚJO – Ministra ISABEL GALLOTTI – Ministro FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES – Ministro ANDRÉ RAMOS TAVARES
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Publicada nos DJes de 3, 4 e 5/6/2024.
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